REBELIÃO NA USINA DE JIRAU: INFELIZ COINCIDÊNCIA OU O FANTASMA DO PASSADO DA FERROVIA MADEIRA MAMORÉ?

BY ELISANDRO FÉLIX DE LIMA
A rebelião provocada pelos funcionários da Usina de Jirau, no último dia 16 de março, cerca de 150 Km distante de Porto Velho, nos faz recordar dos motins ocorrido nas redondezas do local, no final do século XIX. Trabalhadores da estrada de ferro Madeira-Mamoré que por diversos motivos provocavam confusão. Até parece que a bruxa daquele final de século, novamente, está à solta nas redondezas de Porto Velho. Não quero dizer "Usina do diabo" comparando-a com a Ferrovia Madeira-Mamoré, que foi considerada por Manoel Ferreira Rodrigues como a Ferrovia do Diabo. Mas, o incêndio em mais de 50 ônibus, destruição de diversos dormitórios, além de furtos e saques, me faz acreditar em uma enorme coincidência.

Se for coincidência ou não, vamos buscar na historicidade, e relembrar alguns fatos.

REVOLTA DOS ITALIANOS QUEBRA ROTINA NA VILA. Cerca de 218 italianos, membros da comitiva da Collins americana, não se adaptaram às primeiras dificuldades enfrentadas na região. Um mês após a chegada da empreiteira, surgem os primeiros ataques de beribéri, malária e disenteria, com o registro das primeiras baixas. Os italianos se rebelaram, empunham armas e enfrentam os encarregados da Collins. O motivo principal é a boa remuneração dos americanos em detrimento dos salários baixos dos italianos. Oito deles são algemados e presos em cadeias construídas de trilhos. Dias depois, 75 deles fogem e se embrenham nas matas em direção à Bolívia, onde jamais se teve notícia. Os presos foram deportados para Manaus e em seguida para os Estados Unidos, onde se encarregaram de denunciar as péssimas condições de trabalho e de vida nesta parte do Brasil, praticadas por uma empresa norte-americana. (GÓES, 2005, p. 27).

A TRAGÉDIA DOS ITALIANOS. Os trabalhadores trazidos dos Estados Unidos pela empresa Collins eram de várias procedências, principalmente italianos e irlandeses. Os italianos eram em número de 218. Logo após a chegada, demonstraram insatisfação, porque a empresa construtora pagava melhores salários aos norte-americanos e irlandeses. Tiveram, em consequência, um atrito com o sr. Collins, e no dia seguinte amotinaram-se, apropriando-se de víveres e munições. De madrugada, o sr. Collins e outros funcionários, juntamente com 40 homens armados, surpreenderam os italianos revoltosos e prenderam com algemas a oito deles, considerados os cabeças. Foi feita uma cadeia com trilhos, e nela encerrados os chefes da rebelião. O restante era mantido nos seus dormitórios por uma guarda especial. Finalmente, os italianos resolveram retornar ao trabalho. Muitos desejavam retornar para os Estados Unidos, mas, segundo cláusulas do contrato, deveriam trabalhar seis meses na construção. Até que, certo dia, um grupo deles resolveu fugir. Na calada da noite, 75 italianos abandonaram Santo Antônio, penetraram na espessa floresta amazônica e tomaram o rumo da Bolívia. Não levaram alimentos, nem nada que os auxiliasse na viagem. Desapareceram no meio da mata, e nunca mais ninguém soube deles: se morreram de fome, de doenças ou de ataques dos índios. A espantosa tragédia que viveram naquela região da Amazônia permaneceria, para sempre, desconhecida do mundo civilizado. (FERREIRA, 2005, p. 114-115).

VILA DE SANTO ANTÔNIO NO TEMPO DA COLLINS – CENÁRIO DE GRANDE HOSPITAL. Dificuldades financeiras da Collins, atrasos nos empréstimos à Bolívia, davam início às primeiras desilusões geradas pelo atraso nos pagamentos, os quais ficavam difíceis, enquanto o desespero aumentava. Entre os trabalhadores da ferrovia, viviam-se dias sombrios. O vapor Arari chega a Santo Antônio sob o alerta para não atracar. O temor de um ataque por parte dos empregados da Collins, que, insatisfeitos com a situação geral da construção, poderia tomar o navio de assalto e fugirem para os Estados Unidos. [...] Cerca de 300 americanos se lançaram até Belém do Pará, sem uma prata no bolso, na tentativa desesperada de alcançar a pátria de origem. Apenas com a interdição do corpo diplomático é que os desiludidos da Ferrovia Madeira-Mamoré puderam retornar para casa com vida. (GÓES, 2005, p. 28-29).

OS PROBLEMAS DA COLLINS. A despeito de todos os esforços para cumprir seu contrato, a P.T. Collins não resistiu aos graves problemas que teve de enfrentar. Com o crédito cortado, envolvida em pesadas dívidas, revoltas e fugas de operários, doenças regionais e ataques de índios, viu-se forçada a encerrar suas atividades na região. (MATIAS, 1997, p. 32).

O MULTICULTURALISMO EM PORTO VELHO. No mês passado fiz uma viagem à cidade de Porto Velho. É perceptível que a cidade nos últimos anos tenha recebido pessoas de todas as regiões do país. Pelo menos, no Hotel em que me hospedei, na hora do café da manhã, o refeitório ficava lotado de homens, e todos uniformizados, com crachás que identificavam como sendo trabalhadores nas Usinas, tanto a de Santo Antônio, como as de Jirau. A diversidade sócio-cultural que Porto velho tem recebido para a construção das Usinas pode ser notada na particularidade linguística em que cada grupo de pessoas tem ao falar. Nas ruas, nos pontos de ônibus, e nos hotéis próximo à rodoviária, a uma grande circulação de homens, e grande parte são trabalhadores nas usinas. Em muitos lugares percebi isso na cidade. Não é a toa que mais de 50 ônibus eram precisos para transportar os trabalhadores para a usina de Jirau.
Não adentrarei em questões psicológicas, mas cada grupo social tem afinidade com o seu próprio grupo. E quando em um único lugar, de forma repentina misturam-se as culturas, raças, crenças, a probabilidade de problemas passa ser grande. A época da construção da Madeira-Mamoré havia muitas contendas entres alemães, italianos e barbadianos. E quase toda causa das confusões eram devidas ao multiculturalismo precoce na região.

A REBELIÃO NO CANTEIRO DE OBRAS DA USINA DE JIRAU. Segundo, Paulo Cezar do site advivo.com, o canteiro de obras da usina de Jirau, aparece outra vez no cenário nacional em decorrência da falta de responsabilidade entre patrão-empregado. O protesto teve como saldo negativo, incêndios e destruição de alojamento. Aproximadamente 300 trabalhadores atearam fogo em quarenta e cinco ônibus e queimaram outras instalações da usina. Os trabalhadores não aguentaram mais as péssimas condições de trabalho, além disso, segundo informações dos próprios funcionários, cerca de 4 mil funcionários foram ameaçados de demissão. (ADVIVO, 2011).

A página Wikipédia – USINA HIDRELÉTRICA DE JIRAU – já recebeu atualizações sobre os fatos acontecidos no canteiro de obras. No dia 16/03/11, iniciou-se um sério confronto na Usina por parte dos trabalhadores que trabalham em sua construção. Eles lutam por melhores condições de trabalho e mais segurança. Trabalhadores da usina de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, estão deixando o canteiro de obras da hidrelétrica na manhã desta quinta-feira (17/03/11) dizendo que um novo confronto incendiou os alojamentos e escritórios que ainda não haviam sido destruídos. Eles carregam malas e mochilas e dizem que não há mais nenhum alojamento ou escritório em pé. Ontem (16/03/11), 45 ônibus que fazem o transporte dos trabalhadores no local e 35 alojamentos foram queimados ou destruídos em uma briga entre trabalhadores no canteiro de obras. Outras 30 instalações da usina foram danificadas, segundo a Secretaria da Segurança de Rondônia. Os trabalhadores que deixam a obra estão bloqueando a rodovia BR-364 em frente ao acesso ao canteiro de obras com paus e pedras. Um colchão foi incendiado no local. Eles reclamam das condições de trabalho, que há trabalhadores morrendo de malária e que reivindicavam aumento de salário. Agora, eles reivindicam também transporte para chegar a Porto Velho, cerca de 150 km da usina. (WIKIPEDIA, 2011).

OUTRA COINCIDÊNCIA. A EFMM foi construída, a princípio, para beneficiar o país vizinho, Bolívia, e somente mais tarde, teve como interessado o Brasil, que viu no projeto um possível investimento lucrativo. Após muitas delongas, a construção chegou ao fim, com um saldo trágico. Muitos trabalhadores perderam suas vidas por um projeto que hoje não é nada. Tanta perda por uma coisa que não chegou a lugar nenhum. Tantas contendas, confrontos entre trabalhadores para algo que não deu certo.
Temos agora, a construção das Usinas em nosso estado. O benefício também é alheio, isto é, não está restrito ao nosso estado. Rondônia terá energia. Os outros estados também. Porém, nenhum outro estado sofrerá tão grande impacto ambiental quanto ao nosso estado, Rondônia.

ADVIVO. Disponível em: <http://www.advivo.com.br>. Acesso em: 20 mar. 2011.
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Ferrovia do Diabo. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2005.
MATIAS, Francisco. Pioneiros: ocupação humana e trajetória política de Rondônia. Porto Velho: Maia, 1997.
GÓES, Hércules. Madeira-Mamoré: patrimônio da humanidade. Porto Velho: Ecoturismo, 2005.
WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Usina_Hidrelétrica_de_Jirau>. Acesso em: 20 mar. 2011.

ELISANDRO FÉLIX DE LIMA é graduado em Letras pela UNESC - Faculdades Integradas de Cacoal; Pós-Graduado em Gramática Normativa da Língua Portuguesa; Revisor Textual, além de atuar como professor tutor nos cursos a distância da UNISA DIGITAL - polo Cacoal-RO.

Comentários

Anônimo disse…
Olá Rômulo,

gostaria de tecer uma observação quanto ao texto do Elisandro.

Creio que o autor comete alguns equívocos originários de uma leitura positivo-factual da história ao defender a tese de que esta coincidentemente se repete.

1- creditar os acontecimentos de "rebelião" ao fato de que há, em Porto Velho, um entrechoque de tipos regionais - "multiculturalismo" - é o mesmo que usar o mito da Torre de Babel como fundamento explicador das contendas sociais. Creio que os acontecimentos/"rebeliões" possam ser melhor compreendidos a partir de uma análise mais contextual e histórico-social que compreenda a dinâmica de funcionamento perversa das relações de trabalho no modo de produção capitalista.

2- assim como não se pode creditar à malária e à outras enfermidades a causa originária das "rebeliões" na construção da Madeira-Mamoré, também não se pode conceber que os acontecimentos passados nas obras da hidrelética tenham como fator os riscos de malária e dengue característicos da região. Para que houvesse alguma coincidência entre os dois momentos históricos seríamos obrigados a admitir, FORÇOSAMENTE, que há um mosquitinho geneticamente propenso a aterrorizar os operários e a forçá-los a todo tido de "atrocidade social". Então, por que os trabalhadores das hidrelétricas foram capazes da "Rebelião de Março"? O que está na base dos fatos? O acaso?

3- ademais o wikipédia não é uma fonte de consulta confiável, quanto mais quando o site se presta ao trabalho jornalístico. Qualquer pessoa pode inserir em qualquer verbete do wikipédia uma informação distorcida, uma data errônea, um fato fictício etc

4- ao afirmar que a EFMM não deu certo porque, de início, objetivava beneficiar a Bolívia o autor se esquece de destacar os "benefícios" que o Brasil herdou na época, dentre os quais as terras do que seria mais tarde o Estado do Acre.

4.1- ao frisar que as Hidrelétricas beneficiarão outros Estados e não Rondônia (objetivo "alheio" como na EFMM) o autor deixa de observar um elemento característico às duas construções. Nenhuma delas foi alçada com capital do próprio Estado ou da própria região. Não é a burguesia(?) coronelística de RO que está subsidiando as obras das hidrélitricas. De onde vem este capital? É para o local de sua origem que retornarão os bonus? O que ficará no Estado de Rôndônia? Trabalhadores desempregados que não souberam aproveitar as oportunidades que o sistema (Camargo Corrêa) hoje lhes confere? Mosquitos malvados ou o "acaso"?

Não é uma coincidência que os trabalhadores da EFMM e os das Usinas Hidrelétricas tenham externalizado, em um dado tempo, suas condições de trabalho, de vida, de salário etc

Há várias manifestações na história da luta de classes - que é a própria História - de "insurgência" da classe trabalhadora.

Infelizmente a opinião pública tem visto a história com olhar - aterrorizado - que se prende ao fato, ao superficial: "bebeu, brigou e incendiou o próprio barraco".

Cabe averiguar com profundidade os elementos estruturais que conduziram ao fato. Tais elementos, tanto os da "rebelião" na EFMM quanto os das Hidrelétricas, se referem há momentos históricos distintos.

Se existe algum fator comum a estes dois momentos, tanto lá quanto cá, este deve ser procurado em uma compreensão de funcionamento da tônica das relações de trabalho centradas na expropriação do trabalhador e na sua exploração.

Abraços, Volmar.
Anônimo disse…
Valeu prof. Volmar,
A escrita do texto não teve como ótica a verticalidade, isto é, uma pesquisa profunda sobre os dois fatos, foi somente, uma comparação superficial para não deixar esquecidas as rebeliões que existiram nas mesmas proximidades (Porto Velho).
Há só a coincidência da rebelião, os motivos podem até não serem os mesmos, mas não deixa de ser coincidente.
Valeu prof. pelos comentários, é sinal que tem lido meus textos, humildes textos, continue lendo-os, fico feliz por isso, e continue expressando suas dicas, com certeza serão muito úteis.
Valew!!!.
By Elisandro