SEMIÓTICA E JOÃO CABRAL DE MELO NETO: FRAGMENTOS DE UMA METODOLOGIA DE ANÁLISE
UM OLHAR SEMIÓTICO EM
JOÃO CABRAL: “A EDUCAÇÃO PELA PEDRA” e “FÁBULA DE UM ARQUITETO”
By Rômulo Giácome
MINICURSO APLICADO NO SELL 2012, VILHENA, NOS DIAS 04 E 05 DE OUTUBRO DE 2012
A semiótica de linha americana
pode ser muito bem aplicada no corpus literário. Simplificando marcas textuais
da camada superficial em recursos, poderíamos ter, grosso modo, as seguintes
relações:
a)
Ícones: adjetivos e substantivos que remetem e
inferem um sentido sensorial, (primeiridade);
O poema de João Cabral de Melo
Neto, Educação pela Pedra, é
imprescindível para ilustrar o intento teórico acima. Por meio de alguns ícones
que irrompem de sua tessitura, tais quais: “resistência fria”; “flui”; “muda”; “carnadura
concreta”; todas estas iconicidades remetem ao sensorial e tendenciam a eclodir
na poética Cabralina da coisificação. No entanto, esta coisificação busca a
tridimensionalidade do signo e não simplesmente a coisa / ser / objeto. É a
face aparente, velada, áspera, sonora (...). Vejamos o poema para recolocar os
ícones listados.
Uma
educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no
Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.
Em sequência temos o índice.
(secundidade)
b)
Índices:
Verbos e formas verbais que traduzem a dinâmica narrativa do texto;
Entendendo o poema de Cabral como
uma micro-narrativa, teríamos a seguinte estrutura formal / verbal: Ação principal: “Aprender”; sub-ações
específicas e necessárias: “frequentar”; “captar” (sentido diferente de escutar
ou ouvir; estes são estáticos enquanto que captar pressupõe uma ação do
ouvinte); “fluir”; “adensar-se”, verbo importante para a identidade do texto,
uma vez que forma o sujeito “aprendiz” (que não se revela pois é impessoal); “adensar-se”
possui forias relacionadas ao ato de
se fortalecer, aprofundar. E por fim, um “soletrar”.
É possível inferir, por meio de
uma relação actancial (sujeito à
objeto) que o sujeito cognitivo do poema é impessoal e não necessita
personalização ou referência; no entanto o “professor” mudo é a pedra. Podemos tentar
propor que além de pedra / professor, ela é pedra / sílaba (verbo soletrar) e
pedra / signo. Isto porque a pedra possui uma dicção de existência e não de
voz. Basta existir para ensinar. E basta a experiência do homem sobre ela e
sobre as formas naturais e puras para se entender e aprender.
c)
Símbolos:
referências demarcadas e legitimadas; (Terceiridade)
A forma narrativa / argumentativa
do poema Educação pela Pedra evoca três
disciplinas necessárias, que irrompem por meio dos símbolos: Moral, Poética e
Economia; mesmo que esta economia encontre homônimo na máxima Cabralina, sua
função simbólica é evidente. Assim, varremos e identificamos estes três
símbolos acima descritos.
A lição de moral, sua resistência fria
A de poética,
sua carnadura concreta;
A de economia,
seu adensar-se compacta:
Neste momento é interessante
explorar a semiótica na formação poética Cabralina. João abandona o símbolo e
busca, quase sempre, a (des)referencialização dos signos poéticos.
Cabral abandona os símbolos;
trabalha apenas com ícones e índices:
(“casa apenas com teto e porta”, como veremos em Fábula de um arquiteto);
Para este raciocínio é preciso
compreender uma analogia simples da semiótica poética:
Ícone à sem referência; (não podemos definir peremptoriamente o sentido)
Ícone à sem referência; (não podemos definir peremptoriamente o sentido)
Índice à
sem referência; (idem)
Símbolo à
referência; ou o mesmo que chamarmos o sentido do símbolo da eterna afirmativa “É”;
Por outro lado, esta definição não é literária; definha o ente poético; assim,
o símbolo carrega sobre si o estigma da definição, e não do devir (o vir a ser), que concatenará a
afirmação correta: “pode ser” e não “é” na esteira das inferências de sentido.
Em outras palavras, o símbolo
como limitador do texto Cabralino e de todo o texto poético, não consegue
intercambiar-se poeticamente com outras unidades. Para tanto, é relevante
entendermos o que chamo (ousadamente) de Transposição
semântica.
Um símbolo só se comunica com
outro símbolo de modo superficial; (pedra na entranha da alma); já os índices e ícones podem ser transmigrados; ao decompor o símbolo pedra em
ícones e índices, ou semas, a transmissão torna-se efetiva
Pedra à rigidez, dureza, concretude, rispidez, resistência à
“entranha da alma” o Sertanejo é um forte; os semas impregnam na alma,
promovendo a transposição do legado semântico do símbolo Pedra (que se (des)referencializa)
para o objeto “alma”.
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha
a alma
Ao dialogarmos
com um Cabral que trata de “objetos”, devemos perceber que, pela sua
necessidade poderosa de fugir dos referentes, sua linguagem evolui de uma
espacialidade simples, para categorias mais complexas, incidindo em um conceito
mais amplo de “dimensão”. Do espaço e coisa para a dimensão e categoria.
Vejamos em fragmento do poema “Fábula de um arquiteto”:
A
arquitetura como construir portas,
de
abrir; ou como construir o aberto;
construir,
não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
nem construir como fechar secretos;
construir
portas abertas, em portas;
Observamos em “construir o
aberto”, “fechar secretos” e “portas abertas” que o signo poético almeja a
dimensão maior, designar as formas em sua plenitude: não é a porta. É seu vão,
sua forma pura de vazio que permite a entrada, a dimensão do aberto e do
permitido. É o espaço de entrada e não a coisa de madeira e seu portal. Nesta
busca da forma pura /plena, Cabral chega aos índices, negando a finalização,
negando o “fechar”, mas sim o abrir. É uma casa indicial, apenas porta e teto,
tal qual Mondrian.
casas exclusivamente portas e teto.
Nesta
dimensão de abrir / fechar, o poema enseja esta dialética do aberto e fechado a
partir das casas. Não a “casa”, mas um espaço sem limite / limitado, linhas
imaginárias da temporalidade / espacialidade, que se intercalam. No ato de
construir “aberturas” que se abrem, portas que se abrem dentro do espaço e sem
portas, a lembrança clara da Biblioteca de Babel (Joge Luis Borges) como matriz
da construção ilimitada de espaços, até chegar no todo é inevitável.
O
arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
Muito que a
semiótica discursiva tem buscado é a importância da máxima Greimasiana “de que
só existe sentido na diferença”. Assim, a importância do discurso enquanto
combinação / sintaxe de semas subterrâneos, conexões improváveis e relações
entre termos de inovada elevação de sentido, perfaz o próprio projeto de poemas
como Rios sem Discurso e Tecendo Manhã; o primeiro uma clara
alusão à sintaxe semântica.
Por fim, no minicurso que deu
origem a este texto, no frêmito da aula, exigiu este adendo, que fez todo o
sentido e espero que agora o faça também. É importante salientar que o ícone e
o índice se comunicam ao perceptum, e
não à decodificação racional da linguagem; comunicar-se ao perceptum é uma forma singular de comunicação, pois tem eficiência
garantida por meio de outros registros; assim, ícones e índices propiciam esta
comunicação perceptiva por meio de cheiros, design, movimento, cores e formas,
além de outras categorias sensoriais.
Assim, poderíamos chamar o perceptum de intuição? Ou sensorialismo?
(sons, gestos, cheiros)
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