POEMAS ESCOLHIDOS - GREGÓRIO DE MATOS - BARROCO BAIANO

Por Rômulo Giacome

Nesta postagem elenco, sob uma visão antológica dos textos de Gregório de Matos, os cinco poemas mais expressivos e que podem dialogar muito bem com os conceitos Barrocos em análise. 

Discreta e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

Salvador em 1625, durante a reconquista espanhola. Observe que a Cidade organizava-se como uma fortaleza. A grande igreja na parte centro-esquerda da ilustração é a dos jesuítas, com o colégio. A igreja mais ao centro é a Sé Primacial. Fonte: http://www.cidade-salvador.com/seculo-17.htm

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa piedade me despido,
Porque quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
  
Se basta a vos irar tanto um pecado,
A abrandar-nos sobeja um só gemido,
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
  
Se uma ovelha perdida, e já cobrada
Glória tal, e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na Sacra História:
  
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada
Cobrai-a, e não queirais, Pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.


Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

Salvador, Fonte: https://www.google.com.br/search?q=Salvador+bahia+em+1690&dcr=0&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjKrpKxvMnZAhWhrFkKHfTGDaYQ_AUIDSgE&biw=1366&bih=613#imgrc=UTDTGy4G_xBSPM:

Ardor em coração firme nascido!
Pranto por belos olhos derramado!
Incêndio em mares de água disfarçado!
Rio de neve em fogo convertido!

Tu, que um peito abrasas escondido,
Tu, que em um rosto corres desatado,
Quando fogo em cristais aprisionado,
Quando cristal em chamas derretido.

Se és fogo como passas brandamente?
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai! que andou Amor em ti prudente.

Pois para temperar a tirania,
Como quis, que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu, parecesse a chama fria.




O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.
  
Em todo o sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.
  
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.
  
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.


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