SEIS DISCOS E BONS MOTIVOS PARA VALORIZAR A MÚSICA BRASILEIRA ATUAL

By Rômulo Giacome
Temos a mania de afirmar: não se produz mais nada de bom na música brasileira. Afirmação mais do que falsa. Produzimos muita coisa boa, principalmente fora do circuito de consumo normal e dos nichos habituais.  Talvez tenhamos perdido a capacidade de viver o momento crítico, ou seja, reconhecer novas fontes culturais musicais, pesquisar e agrupar boas produções. E talvez o que é ainda pior: estamos preparados para o novo? Estamos prontos para experimentar novas músicas e artistas? Será que a segmentação e cristalização de antigos valores e clichês musicais que ainda carregamos não têm espantando novas experiências?

Bem. Separei seis grandes discos dos últimos três anos, alguns elencados em uma lista do site www.screamyell.com. Anualmente ele recolhe opiniões de muitos e bons críticos e produz uma lista com 7 grandes discos de cada ano. Recolhi esta lista de 2016, lançada bem no final do ano e início de 2017. Mergulhei nas audições e pesquisa contextual sobre os artistas. Acrescentei mais um disco de 2015. E eis que aqui estão estes seis discos que, nestes últimos três anos compõem um painel relativamente positivo de nossa produção musical. Coloquei em ordem subjetiva de predileção.



“Tropix” Céu – Parece que Céu agora quer conquistar também a terra; no disco “Caravana sereia bloom” faltava alguma coisa; alguma coisa que conversasse com todo mundo e não apenas com aqueles tão e tão plugados em sua vibe malemolente. Tal como Tulipa Ruiz, ela acelerou as bases e soltou um pouco mais a voz. Boa de crítica, Céu mantém uma integridade de produção; e neste último disco está mais coesa. “Minhas Bics” e “Chico Buarque Songs”, versão de Felini, estão antológicas. Destaco “Varanda Suspensa” como a conexão e o flerte perfeito com a música Pop brasileira, do merengue ao maxixe, chegando no calypso. Nada mais cult nos dias de hoje.

“Mahmundi” – Mahmundi – Que delícia de Bricolage! Vem evocando toda a batida pop dos anos 80 e 90, desde a caixa e teclado. Música feita para colar e ambientar, onde escuta todo mundo! “Azul” nasceu hit em qualquer planeta, música gostosa de ouvir, que gruda no coração. “Eterno verão” vem vestida de Marina Lima, e por que não? Ressoando e ressignificando para aqueles incautos que nunca tiveram oportunidade de escutá-la. Em “Calor do Amor” o namoro com a batida eletrônica toma forma e esta potencialidade sintetizada consegue criar uma batida esplendorosamente massa! Vamos nos render ao pop de qualidade, cantar e dançar ao som de Mahmundi.

“Duas Cidades” Baianasystem; Baianasystem não é uma banda, é um movimento na Bahia. Baianasystem é um mix baiano de frutas tropicais. Disco dançante, também vai do merengue ao coco, talvez soando Axé em todos os momentos; emulando a sonoridade da música baiana dos anos 90, inicia sua jornada pelo Rap “Jah Jah Revolta”; ataca frontalmente com “Lucro”, guitarrada mais que palafiteira dos mangues; brinca com a batida funk / axé em “Bala na agulha”, com clichês saldosos e bem recebidos, culminando em “Duas Cidades”, com o gingado típico do pedigree baiano. Por que escutar? É a elegância do pastiche musical, remontando as pontas das sonoridades clássicas brasileiras, com letras mosaico, na sutileza do moderno. Vale muito a pena e pode escutar com todo mundo naquele almoço de domingo ou sábado, e quem sabe naquela festinha.


3º “MM3” Metá Metá - Quando três grandes músicos se juntam; Nossa! Que saxofone de Thiago França; o quinto elemento; ele animaliza; derivados do Jazz, a música não desanda, ela agride. Violenta, parece um front ao vivo de rock; como o Arcade Fire em “Funeral”, de 2005, que soava morno no estúdio, mas no show era leite derramado; logo na primeira faixa já percebemos a intensidade: o sax afeta, sombrio e lúcido, na letra de “Três amigos” que fala: “São três amigos para matar / Mais doze santos pra apedrejar / Um grande amor a sodomizar / É, não deu, não dá”. O ápice e apoteoso do disco fica a cargo de “Mano Légua”. No subconsciente pop de cada ouvinte fica a sombra de um refrão conhecido, e que vem anabolizado pelos belos riffs de saxofone de Thiago. Ainda em “Angouleme” o triphop pesado e urgente assola as caixas de som. É peso sentado no sofá, peso tenso do homem estátua. Merecedor de várias audições, sem sonsura, só trabalho de cada componente para um único tom intenso.


“A mulher do fim do mundo” – Elza Soares – Um disco lançado é muito mais do que um produto comercial. Ele tem a função de ser várias coisas quando se propõem a ser arte: uma delas é catalisar o tempo presente e discuti-lo. Outra é tornar-se vanguarda da sua linguagem, evoluindo a produção artística. Aqui é onde podemos encontrar as marcas profundas deste disco de Elza Soares. Sua voz singular foi muito bem aproveitada, dentro de arranjos que a emolduraram de forma maravilhosa; ela transpôs o samba e universalizou o batuque, junto com violões, batidas e tudo que pode ser feito com sutileza. “A mulher do fim do mundo” é um manifesto da própria Elza, que ressurgiu neste disco; também é um toque eufórico a todas as mulheres, pois se universaliza no papel da mulher de hoje frente a todas as adversidades. Em “Maria da Vila Matilde”, mais uma vez a música dialoga com o presente e problematiza de modo mais que belíssimo e sutil a relação de violência doméstica. A maculada relação machista do homem frente à mulher. Que acerto! Música mirou e acertou no creu! Em “Pra fuder”, que arranjo! Levada louca que cavalga para fuder mesmo! E Elza deixa de lado todo seu estigmatizado e não unânime vocal para arrebentar e ritmar no ponto certo. Que disco especial em um momento especial. Parabéns ao pessoal que decidiu pelo projeto e decidiu por Elza Soares. Nada mais emblemático.



“Melhor do que parece” - O terno – Caramba! O que falar deste disco!! “Culpa” é tudo! Leve e suingada, Secos e Molhados e Mutantes? Quem serão? Mas no mesmo instante, pasmem, no mesmo disco, temos simplesmente “Volta”; a música que já nasceu escrita em nossa alma! Enunciação sobre enunciado, a brincadeira de cantar e simplesmente acontecer! E lá vem “Lua cheia”, represando a guitarra, que escancara e forja mais uma passagem belíssima de um grande álbum. Flerte das drogas dos anos 70. Triture tudo dos anos flowpower que ainda faltará a fina ironia, o humor e os clipes sensacionais de O Terno. A produção do disco está sensacional, com belos arranjos minimalistas: “Não espero mais” por exemplo. Criativas, cada canção tem um mundo em si mesmo. Enfim, o título deste álbum é uma homenagem e dica ao ouvinte: muito melhor do que parece.  


Comentários